O que é a Revisão da Vida Toda?
Com o advento da Lei 9.876/99, todos os cálculos de benefícios do INSS passaram seguir o disposto no seu art. 3º, que previa uma média dos 80% maiores salários do segurado posteriores a julho/1994.
Isto significa que os salários do segurado anteriores a julho/1994 eram simplesmente descartados do cálculo.
Fica fácil de entender, portanto, que há segurados que foram prejudicados: se os seus maiores salários estavam, justamente, antes de julho/1994, a sua média foi reduzida por esta regra que determina um cálculo considerando apenas os salários posteriores a julho/1994.
Portanto, a Revisão da Vida Toda, julgada favorável pelo STF no RE 1.276.977 em 01/12/2022, pode ser resumida em uma linha:
Caso lhe seja mais favorável, o segurado tem direito ao cálculo com uma média de 80% de todos os seus salários de contribuição (posteriores e anteriores a julho/1994).
É por isso que ela se chama de revisão da “vida toda” ou, ainda, de revisão do “PBC estendido”.
A revisão é sempre mais favorável?
Não, a revisão nem sempre é mais favorável.
Como visto, não há qualquer garantia de que a Revisão da Vida Toda será mais favorável para o segurado. É necessário fazer o cálculo caso a caso, pois o resultado depende totalmente dos salários anteriores a julho/1994; quanto maior o valor destes salários anteriores a julho/1994, maior a chance da Revisão da Vida Toda ser favorável ao segurado.
Qual deve ser a data de início da minha aposentadoria / benefício para fazer jus à revisão?
A sua DIB (Data de Início do Benefício) deve ser posterior a 28/11/1999 (data da Lei 9.876/99) e anterior à Reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 103/19), promulgada em 13/11/2019, pois após a Reforma a média apenas com os salários posteriores a julho/1994 ganhou sede constitucional, no próprio art. 26 da Emenda.
Então se meu benefício se iniciou depois de 13/11/2019 eu não tenho direito?
Depende! Você pode ter direito mesmo que sua DIB seja posterior a 13/11/2019.
Inclusive isto é muito comum.
Sempre vale a pena fazer a análise do caso concreto: é que, mesmo para benefícios concedidos após 13/11/2019, pode haver direito adquirido em 13/11/2019 ou data anterior, data na qual a revisão ainda é cabível; e, em sendo mais favorável, é possível pedir a revisão mesmo assim.
E veja: pode ser que seu benefício sequer foi calculado com base em direito adquirido em 13/11/2019 ou data anterior; é porque, sem a revisão da vida toda, pode ser que o seu direito adquirido em 13/11/2019 ou data anterior fosse menos favorável que calculado na data do início do seu benefício, e portanto o INSS não utilizou o direito adquirido no cálculo.
Contudo, com a tese da vida toda já aprovada, pode ser que o direito adquirido em 13/11/2019 ou data anterior passe a ser a opção mais favorável para você.
Lembre-se que a tese serve tanto para revisão propriamente dita (benefício já implantado) quanto para concessão de benefício novo.
Como pedir a Revisão da Vida Toda?
O ideal é contar com a ajuda de um advogado, que fará o cálculo, indicará se a revisão é mais vantajosa para você, e entrará com ação na Justiça pedindo a revisão.
Abaixo segue a fundamentação (de forma mais aprofundada) da tese aplicada pelo Supremo Tribunal Federal
Tese fixada pelo STF:
“O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei nº 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável”. STF. Plenário. RE 1276977/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 1/12/2022 (Repercussão Geral – Tema 1102) (Info 1078).
Forma de cálculo do salário de benefício
A Lei nº 8.213/91 trata sobre as regras aplicáveis aos benefícios pagos no Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
O art. 29 desta lei prevê a forma como será calculado o salário de benefício.
Antes de prosseguirmos, o que é o salário de benefício?
Salário de benefício (SB) é um valor utilizado como base para se calcular a renda mensal do benefício que será pago. Em outras palavras, o SB é a base de cálculo utilizada para se estimar o valor do benefício que será pago.
Sobre o valor do SB incidirá uma alíquota prevista em lei e, assim, calcula-se o valor da renda mensal do benefício (RMB). Ex: o RMB da pensão por morte é igual a 100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento.
Redação original do art. 29
O art. 29 da Lei nº 8.213/91, em sua redação original, determinava que o salário de benefício seria calculado a partir da média aritmética dos últimos salários de contribuição do segurado, com algumas condicionantes. Veja:
Art. 29. O salário-de-benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito) meses. (Redação anterior à Lei nº 9.876/99)
Lei nº 9.876/99
Em 1999, foi editada a Lei nº 9.876, que alterou o art. 29, prevendo nova regra para o cálculo do salário de benefício. Confira a redação atual:
Art. 29. O salário-de-benefício consiste:
I – para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário;
II – para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo.
(Redação dada pela Lei nº 9.876/99)
De maneira geral, qual regra é mais favorável ao segurado:
1) a redação original do art. 29; ou
2) a redação dada pela Lei nº 9.876/99 (chamada de “regra definitiva prevista no art. 29”)?
A redação original do art. 29.
Na maioria dos casos, o cálculo feito com base na redação original do art. 29 é mais vantajoso para o segurado do que o cálculo feito seguindo a regra definitiva prevista no art. 29, I e II.
Regra de transição prevista no art. 3º da Lei nº 9.876/99
Como houve uma mudança mais gravosa na forma de cálculo do salário de benefício, a Lei nº 9.876/99 resolveu estipular, em seu art. 3º, uma regra de transição para os segurados que já eram filiados à Previdência antes de 29/11/1999 (data de publicação da Lei nº 9.876/99):
Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei nº 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.
(…)
Objetivo da regra de transição
A regra de transição teve um caráter protetivo. O objetivo do art. 3º da Lei nº 9.876/99 e seus parágrafos foi estabelecer regras de transição que garantissem que os segurados não fossem atingidos de forma abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos benefícios.
Imagine agora a seguinte situação:
João foi contratado como empregado em 1976, ocasião em que passou a ser segurado filiado ao regime geral de previdência social (RGPS).
Depois de completar o tempo de contribuição necessário, João requereu ao INSS aposentadoria por tempo de contribuição.
A autarquia concedeu a aposentadoria com DIB (data do início do benefício) em 1º/10/2003.
O cálculo da renda inicial foi feito conforme as regras de transição previstas no art. 3º da Lei nº 9.876/99 (veja acima), o que resultou em proventos de aposentadoria no valor de R$ 1.493,00 (RMI).
Ação de revisão
Passado algum tempo, João ajuizou ação pedindo a revisão do seu benefício.
Argumentou que, como o art. 29 da Lei nº 8.213/91 (na redação da Lei nº 9.876/99) – que prevê o cálculo do salário de benefício com base nas 80% maiores contribuições de todo o período contributivo -, já estava em vigor no momento da concessão de sua aposentadoria, teria o direito de optar pela aplicação dessa norma por lhe ser mais favorável.
Demonstrou que, se fosse considerado todo o seu histórico contributivo, conforme regra definitiva (atual redação do art. 29, I, da Lei nº 8.213/91), faria jus à RMI de R$ 1.823,00 (maior do que foi calculada administrativamente). Isso porque desde a data da filiação ao RGPS (1976) até a data do início do benefício de aposentadoria (2003) seriam considerados 28 anos de período contributivo. Por outro lado, com a aplicação da regra de transição, foram consideradas somente as maiores 80% contribuições vertidas em 9 anos, isto é, de 1994 (marco de retroação da regra transitória) até 2003.
O pedido foi julgado improcedente em primeira e segunda instância.
Inconformado, o segurado interpôs recurso especial.
O STJ acolheu a argumentação do autor?
SIM.
O STJ acolheu o pedido do recorrente e, sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese:
Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II, da Lei nº 8.213/91, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei nº 9.876/99.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.596.203-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 11/12/2019 (recurso repetitivo – Tema 999) (Info 662).
Direito ao melhor benefício
Vigora em matéria previdenciária, o chamado “direito ao melhor benefício”.
O reconhecimento ao direito ao melhor benefício garante ao segurado o recebimento de prestação previdenciária mais vantajosa dentre aquelas cujos requisitos cumpre, assegurando, consequentemente, a prevalência do critério de cálculo que lhe proporcione a maior renda mensal, a partir do histórico de suas contribuições.
Nas exatas palavras do Min. Napoleão Nunes Maia Filho:
“A concessão do benefício previdenciário deve ser regida pela regra da prevalência da condição mais vantajosa ou mais benéfica ao Segurado, nos termos da orientação do STF e do STJ. Assim, é direito do Segurado o recebimento de prestação previdenciária mais vantajosa dentre aquelas cujos requisitos cumpre, assegurando, consequentemente, a prevalência do critério de cálculo que lhe proporcione a maior renda mensal possível, a partir do histórico de suas contribuições.”.
Contribuições feitas pelo segurado quanto aos demais períodos não podem ser descartadas
A regra de transição do art. 3º da Lei nº 8.213/91 afirma que só serão consideradas as contribuições ocorridas a partir de julho de 1994.
Ocorre que não se mostra razoável que o segurado tenha pagado contribuições anteriores à 1994 e que elas sejam simplesmente descartadas pelo INSS.
O sistema de Previdência Social é regido pelo princípio contributivo, decorrendo de tal princípio a consequência de haver, necessariamente, uma relação entre custeio e benefício. Logo, não se pode admitir que tendo o segurado realizado melhores contribuições antes de julho de 1994, tais pagamentos sejam simplesmente desprezados no momento da concessão de seu benefício.
Se a regra de transição não for vantajosa, não deve ser aplicada
As regras de transição são pensadas para beneficiar a pessoa que foi atingida pela nova legislação.
É pensada, portanto, como uma vantagem para quem já estava na situação antes da nova lei.
Justamente por isso, se a regra de transição é mais gravosa que a nova lei, esta regra não incidirá, devendo ser simplesmente aplicada a nova lei.
Assim, a regra de transição, como tal, somente deve ser aplicada se a regra nova não for mais benéfica ao segurado. Logo, se a média dos 80% maiores salários de contribuição do autor (regra nova) resultar em um salário de benefício maior que a média dos 80% maiores salários de contribuição a partir de julho de 1994 (regra de transição), deve-se aplicar a nova regra, assegurando a percepção ao melhor benefício, que melhor reflita o seu histórico contributivo com o RGPS.
Não se trata de direito adquirido a regime jurídico
Vale ressaltar que a tese acolhida pelo STF não implica em reconhecimento a direito adquirido a regime jurídico, o que se sabe não encontra abrigo na jurisprudência consolidada do STF e do STJ.
O reconhecimento a direito adquirido a regime jurídico se verificaria na hipótese de se reconhecer ao segurado o direito ao cálculo do benefício nos termos da legislação pretérita (redação original do art. 29 da Lei nº 8.213/91), o que não é o caso. O que o segurado pretende é justamente o contrário, ou seja, que se aplique a legislação em vigor (redação atual do art. 29).
Recurso extraordinário
O INSS interpôs recurso extraordinário, arguindo contrariedade ao princípio da isonomia, diante da existência de regra única a disciplinar o cálculo do salário de benefício de todos os segurados, sendo computados apenas os de contribuição a contar de julho de 1994.
Argumentou que houve desconsideração do equilíbrio financeiro e atuarial do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, ante o abandono do limite temporal para fins de apuração da verba.
Além disso, diante da natureza solidária e contributiva do sistema previdenciário, questionou que o acolhimento da tese provoca majoração de benefício sem previsão de fonte de custeio.
Por fim, suscitou ofensa à separação de poderes ao argumento de que o legislador optou pela exclusão do período contributivo anterior a julho de 1994.
O STF deu provimento ao recurso do INSS?
NÃO. O STF negou provimento ao recurso do INSS e manteve o acórdão do STJ:
É possível a aplicação da regra mais vantajosa à revisão da aposentadoria de segurados que tenham ingressado no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) até o dia anterior à publicação da Lei nº 9.876/99, que criou o fator previdenciário e alterou a forma de apuração dos salários de contribuição para efeitos do cálculo de benefício, dele excluindo as contribuições anteriores a julho de 1994.
STF. Plenário. RE 1276977/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 1/12/2022 (Repercussão Geral – Tema 1102) (Info 1078).
A intenção do legislador, ao desconsiderar as contribuições prévias ao período de lançamento do “Plano Real”, foi preservar o valor das aposentadorias dos efeitos deletérios dos altos índices de inflação daquela época e, com isso, beneficiar principalmente os segmentos de trabalhadores de menor renda.
Essa regra transitória é mais benéfica àqueles que tiveram suas remunerações aumentadas no período mais próximo da aposentadoria em virtude da percepção de renda salarial mais elevada, com o consequente aumento no valor das contribuições. No entanto, não é a realidade do segmento dos trabalhadores com menor escolaridade, que têm a trajetória salarial decrescente quando se aproxima o momento de sua aposentadoria.
Nesse contexto, negar a opção pela regra definitiva, tornando a norma transitória obrigatória aos que se filiaram ao RGPS antes de 1999, é medida que desconsidera todo o histórico contributivo do segurado e lhe causa grave prejuízo, de modo a subverter a própria finalidade da norma de transição.
Portanto, o contribuinte tem o direito de escolher o critério de cálculo que lhe proporcione a maior renda mensal possível, a partir de seu histórico das contribuições. Ademais, admitir que a norma transitória importe ao segurado mais antigo tratamento mais gravoso em comparação ao novo é prática que contraria o princípio da isonomia.
Tese fixada pelo STF:
O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei nº 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável.
STF. Plenário. RE 1276977/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 1/12/2022 (Repercussão Geral – Tema 1102) (Info 1078).
Em suma:
É possível aplicar a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei nº 8.213/91, na apuração do salário de benefício, quando se revelar mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei nº 9.876/99, respeitados os prazos prescricionais e decadenciais.
Afinal, por uma questão de racionalidade do sistema normativo, a regra de transição não pode ser mais gravosa do que a regra definitiva.
Na prática forense, isso ficou conhecido como “revisão da vida toda”. Assim, tanto o STJ como o STF admitem a chamada “revisão da vida toda” no cálculo da aposentadoria.
Alexandre Noal dos Santos
OAB/RS 91.574
Fonte: CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Revisão da vida toda é constitucional. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/c99e757a469e0631c1a61e97949885f1>. Acesso em: 17/06/2023