Não ultratividade do acordo coletivo. Novação do acordo coletivo. Segurança jurídica. Um caminho possível de solução.

 

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) pacificou o entendimento de que as vantagens concedidas espontaneamente pelo empregador, depois de expirado o prazo de vigência da norma coletiva, aderem ao contrato de emprego.

Isso significa que, a partir do momento em que o empregador pagar benefícios previstos no acordo coletivo, após expirada a sua vigência, estes benefícios incorporam-se ao contrato individual de trabalho dos empregados, não podendo ser suprimidos pelo empregador.

Tal fato, entretanto, pode ser mitigado, caso o empregador seja empregador público, pois este, mesmo que indiretamente, rege-se por normas de direito público, o que permitiria, em face de contenção de gastos, reduzir até mesmo normas previstas em negociação coletiva, mesmo durante a sua vigência.

O fato é que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é pacífica ao entender que “a supressão unilateral de benefícios instituídos por meio de norma coletiva e mantidos, mesmo após a vigência de tal instrumento, por mera liberalidade do empregador, implica em alteração perpetrada de forma prejudicial aos empregados, na forma do art. 468 da CLT.”

A fim de demonstrar tal fato, segue abaixo jurisprudência pacífica sobre o tema:

“ADICIONAIS DE TURNO. PAGAMENTO DA VANTAGEM DEPOIS DE EXPIRADO O PRAZO DE VIGÊNCIA DA NORMA COLETIVA. INCORPORAÇÃO AO CONTRATO DE EMPREGO. As vantagens concedidas espontaneamente pelo empregador, depois de expirado o prazo de vigência da norma coletiva, aderem ao contrato de emprego, ocorrendo, nesse caso, alteração do suporte fático da manutenção do pagamento da vantagem, que deixa de ser a norma coletiva e passa a ser a condição mais favorável estabelecida pelo empregador por mera liberalidade. Dessa forma, afigura-se ilícita a supressão ou alteração das referidas vantagens que implique prejuízo ao trabalhador. Inaplicável, por conseguinte, a orientação consagrada na Súmula n.º 277 do Tribunal Superior do Trabalho, em sua redação anterior. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega provimento. […]”. (TST-AIRR-159140-27.1998.5.04.0221, Relator Ministro Lelio Bentes Corrêa, Ac. 1ª Turma, in DEJT 19.12.2014). Grifei

“RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO EMBARGADO PUBLICADO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI 11.496/2007. SUMARÍSSIMO. ABONO MENSAL. INCORPORAÇÃO AO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO. SUPRESSÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INALTERABILIDADE CONTRATUAL LESIVA. A moldura fática consignada no acórdão regional e reproduzida no acórdão turmário embargado permite concluir que o abono mensal, inicialmente previsto em cláusula normativa cuja vigência expirou em dezembro de 1999, continuou a ser pago, de forma espontânea, pela reclamada, até fevereiro de 2000. Nesse contexto, tem-se que tal parcela, a partir do momento em que paga após expirada a vigência da cláusula normativa que a estipulara, incorporou-se ao contrato individual de trabalho do autor, não podendo ser suprimida pela ré, por injunção do princípio da inalterabilidade contratual lesiva, consagrado no item I da Súmula 51/TST. Recurso de embargos não-conhecido.” (TST-E-ED-RR-2183/2004-067-15-00.6, Ac. SBDI-1, Relatora Ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, in DEJT de 16.10.2009). Grifei

RECURSO DE REVISTA. CONDIÇÕES INSTITUÍDAS POR MEIO DE NORMA COLETIVA. MANUTENÇÃO DOS BENEFÍCIOS MESMO APÓS A VIGÊNCIA DO INSTRUMENTO COLETIVO . SUPRESSÃO UNILATERAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. A supressão unilateral de benefícios inicialmente instituídos por meio de norma coletiva e mantidos, mesmo após a vigência de tal instrumento, por mera liberalidade do empregador, implica em alteração perpetrada de forma prejudicial aos empregados, na forma do art. 468 da CLT. 2. Nessa esteira, ao adimplir obrigações que não mais eram impostas por normas autônomas, a reclamada as incorporou aos contratos de trabalho em vigor e já não poderia mais suprimi-las, sem que se configurasse nítida ofensa ao referido dispositivo . Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 18964620105030058, Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 12/08/2015, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/08/2015). Grifei

“CESTA BÁSICA. TÍQUETE REFEIÇÃO. NORMA COLETIVA. PRAZO DE VALIDADE EXPIRADO. MANUTENÇÃO DOS BENEFÍCIOS POR LIBERALIDADE DO EMPREGADOR. Verifica-se do acórdão regional que foi mantida a sentença que deferiu as verbas controvertidas, em face da liberalidade da recorrente em mantê-las, mesmo após expirado o prazo de vigência da norma coletiva que as instituiu. Assim, não há falar em contrariedade à Súmula n.º 277 do TST nem em violação dos artigos 613, II, 614, § 3º e 615 da CLT e e 37 da CF tampouco em divergência jurisprudencial. Recurso de revista não conhecido.” (TST-RR-44554/2002-900-10-00.8, Ac. 5ª Turma, Rel. Min. Emmanoel Pereira, in DJU de 29.8.2008). Grifei

No mesmo sentido o Tribunal Superior do Trabalho pacificou o entendimento de que, pela autonomia da norma coletiva, os direitos e deveres previstos no acordo coletivo ficam restritos a, no máximo, por 2 (dois) anos, sendo tais direitos, uma vez inseridos em norma coletiva, adstritos a estas.

Tal posição também foi positivada na Consolidação das Leis do TrabalhoCLT, a qual dispõe, no art. 614, § 2º, que não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.

Tangenciando o tema, é importante informar, ainda, que cada acordo coletivo gera o que se chama de novação ao contrato de trabalho.

De acordo com Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código civil comentado. 10. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 575), “novação é o negócio jurídico por meio do qual se cria uma nova obrigação, com o objetivo precípuo de extinguir-se a obrigação anterior”.

A palavra “novar” significa “renovar” um contrato ou uma obrigação.

Para que haja novação, há 3 (três) requisitos:

1. Ânimo/intenção de novar (“animus novandi”): Conforme determina o art. 361 do Código Civil: “não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira”.

2. Existência de obrigação jurídica anterior: Somente poderá haver novação se existir vínculo a ser novado, isto é, substituído. A este teor, observa-se a previsão do art. 367 do Código Civil: “Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de novação obrigações nulas ou extintas”. Neste sentido, vínculos anuláveis (não nulos ou inexistentes) podem ser confirmados pela novação.

3. Criação de nova obrigação, substancialmente diversa da primeira: Precisa haver diversidade substancial entre o vínculo anterior e o novo. A diferença “substancial” ocorre com a mudança do objeto ou dos sujeitos (não há novação somente por alterações secundárias, tal como a mudança de lugar do cumprimento da obrigação, das garantias, dos prazos etc.).

EFEITOS PRINCIPAIS:

O principal efeito da novação consiste na extinção da obrigação primitiva, que é substituída por outra, constituída exatamente para provocar a referida extinção.

Uma vez que as negociações coletivas definem cláusulas econômicas e sociais, ocorrerá sempre a novação destas a cada acordo coletivo, mesmo que os benefícios tenham sido concedidos anteriormente de forma unilateral pelo empregador e desde que estejam compreendidos nas cláusulas coletivas, objetos de novação. Esta é a jurisprudência predominante. Por essa razão que é de suma importância, para a defesa do empregador, colocar todas as cláusulas possíveis no acordo coletivo, inclusive as que foram concedidas anteriormente de maneira unilateral, espontânea, por livre vontade, pois aplicar-se-á, no caso, com a nova negociação coletiva, a novação do contrato de trabalho.

Sobre o tema, segue abaixo jurisprudência:

EMENTA Vale-alimentação. Incorporação. CORSAN. O auxílio-alimentação, desde a sua origem, apesar de satisfeito inicialmente em pecúnia, não tem natureza salarial, uma vez que dito benefício foi instituído mediante acordo em revisão de dissídio coletivo. Acórdão – Processo 0020795-19.2017.5.04.0382 (ROT) . TRT4. Órgão Julgador: 7ª Turma. Redator: DENISE PACHECO

CORSAN. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. PARCELA INSTITUÍDA POR INSTRUMENTO NORMATIVO. NATUREZA NÃO SALARIAL. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DAS VONTADES COLETIVAS. Indevida a integração ao salário de parcela – auxílio-alimentação – instituída por força de instrumento normativo, que expressamente afasta a sua natureza salarial. Aplicação do princípio da autonomia das vontades coletivas, previsto no art. , XXVI, da CF. Acórdão – Processo 0000088-55.2014.5.04.0731 (ROT). Data: 02/10/2019. Órgão Julgador: 4ª Turma. Redator: JOAO PAULO LUCENA. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO

Compreende-se, entretanto, que a regra da não ultratividade para determinadas cláusulas deixaria de ocorrer quando expressamente previsto em negociação coletiva cláusula no seguinte sentido: “Os efeitos desta cláusula se projetam para além do seu prazo de vigência, incorporando-se ao patrimônio jurídico do contrato de trabalho dos empregados, bem como constará de futuras convenções coletivas de trabalho da categoria profissional ora acordante.

Parágrafo único. O cumprimento da presente cláusula coletiva ficará adstrita à prévia dotação orçamentária, podendo ser suspensa na hipótese de queda de receita,devidamente demonstrada pelo empregador, respeitando-se as normas regentes”.

Também, é possível a inserção de cláusula que permita ao empregador pagar por ainda 3 (três) meses os benefícios devidos, caso ocorra atraso na negociação coletiva. Existe jurisprudência neste sentido.

Há de ser informado, também, que é possível construir raciocínio jurídico no sentido de que verbas ou benefícios de natureza indenizatória, mesmo concedidos de maneira unilateral, podem ser retirados também unilateralmente pelo empregador. Segue abaixo julgados:

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. CANCELAMENTO DO PLANO DE SAÚDE COLETIVO JUNTO À OPERADORA. RESTABELECIMENTO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. O fornecimento de plano de saúde não constitui obrigação legal ou contratual do empregador, mas benefício concedido por liberalidade, o qual não adere ao contrato de trabalho, ainda mais quando a pretensa violação reside em desligamento de forma geral, para todos os empregados, não havendo falar em direito adquirido de permanência no plano por intermédio da empresa. O regramento específico dispõe que o empregado poderá optar pela continuidade do convênio médico individual diretamente com a operadora, sem a participação da empresa. Interpretação do art. 468 da CLT em conjunto com os arts. 30 e 31 da Lei 9.656/98 e com a Resolução Normativa 279, da ANS, de 24/11/2011. Provimento negado. PROCESSO nº 0020707-43.2015.5.04.0772 (RO). ACORDAM os Magistrados integrantes da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ªRegião

AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. ADESÃO AO PAT ANTERIOR AO CONTRATO DE TRABALHO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. Iniciado o contrato de trabalho quando a empresa já tinha aderido ao PAT, ou já pactuava, nas normas coletivas, como sendo, o auxílio-alimentação, de natureza indenizatória, não há que se falar em integração da verba ao salário do empregado. Inteligência, a contrario sensu, da Orientação Jurisprudencial n. 413 da SDI-1 do TST. (TRT-13 – RO: 01651000220135130022 0165100-02.2013.5.13.0022, Data de Julgamento: 29/07/2014, 1ª Turma, Data de Publicação: 13/08/2014)

Estas são, portanto, as considerações sobre o tema. Importante ressaltar as possibilidades de soluções jurídicas enfatizadas neste artigo.

Alexandre Noal dos Santos

OAB/RS 91.574